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Entrevista a Miroslav Janek

por Daniel Ribas / 14 11 2017


Na edição de 2017, o Porto/Post/Doc apresenta um foco no cineasta checo Miroslav Janek (uma escolha de Jana Sevcíková, realizadora revelada no festival do ano passado), autor de uma obra particular, onde procura dar visibilidade a comunidades desprezadas. Janek iniciou a sua carreira como editor, trabalhando nos Estados Unidos com Godfrey Reggio. Entretanto, voltou para a República Checa onde, atualmente, para além dos seus filmes, é professor na prestigiada escola de cinema FAMU.

Neste foco, serão exibidos os filmes The UnseenHamsa, I Am.

P: Já trabalhou como editor com Godfrey Reggio, na famosa Trilogia Quatsi. De que forma é que essa experiência o influenciou enquanto criador?

R: Eu diria que qualquer experiência provoca alguma mudança em nós, mas, por vezes, é difícil descrevê-la de forma precisa. Poderá ser simplesmente algo subconsciente. O Godfrey faz filmes totalmente diferentes dos meus e, como tal, acredito que a minha experiência de edição dos seus filmes muito provavelmente não teve um impacto significativo na minha forma de realização. Ainda que deva admitir que, depois de conhecer os seus filmes, descobri um enorme prazer em, por vezes, ter as minhas personagens a olhar diretamente para a lente da câmara, sem dizer nada. Essa é, indubitavelmente, a influência mais direta e reconhecível de Godfrey nos meus filmes. De outro modo, do ponto de vista da minha experiência de edição, que decorreu durante 20 anos, os trabalhos de maior influência pessoal e de melhor tempo passado - não só profissionalmente, como também pessoalmente - foram sem dúvida Powaqqatsi, Anima Mundi e Evidence.

P: Tem realizado inúmeros documentários, ao longo dos anos. Na sua opinião, qual é a função social do documentário?

R: A função social? Quer dizer o que é que os documentários significam para as pessoas, para o público? Existem inúmeras camadas, inúmeras possibilidades, múltiplas funções, dependendo do tipo de documentário. Poderá ser a crónica do nosso tempo, poderá ser uma provocação a um pensamento ou o ato de pensar em si, poderá informar-nos, poderá levar-nos para o desconhecido ou simplesmente dar o prazer da poesia do cinema. E existirão, provavelmente, muitas outras possibilidades. Peço desculpa, mas não sou um grande teórico.

P: Alguns dos seus filmes são sobre figuras políticas e criadores artísticos. O que é que o fascina neste tipo específico de pessoas?

R: Eu fiz um único filme sobre uma figura política - presidente Havel - e não foi uma escolha pessoal. Foi-me pedido que terminasse o filme depois do realizador (Pavel Koutecký) ter morrido de forma trágica. Eu provavelmente nunca escolheria fazer um filme sobre um político, mas devo dizer que fiquei fascinado com a personalidade de Havel. O filme foi todo filmado behind the scenes, por assim dizer: foi filmado na “cozinha presidencial” onde os meios de comunicação social habituais não têm permissão para entrar. Esse facto já é, só por si, fascinante. E sendo o próprio Havel um dramaturgo e antigo prisioneiro do regime - o que mais é que se pode pedir?   No que diz respeito a criadores artísticos, não procuro particularmente fazer filmes sobre eles. Na realidade, tento desencorajar os meus estudantes de o fazerem. Claro que fiz alguns desses, mas, na maioria dos casos, concentrei-me numa característica especial das suas personalidades e não prestei grande atenção à sua arte. Isso significa que estava mais interessado na pessoa, e não no artista.

P: No nosso festival, iremos apresentar dois filmes sobre duas experiências com crianças cegas e as suas comunidades. Também realizou outros filmes sobre crianças e escolas. O que é que o motiva a filmar estas comunidades?

R: Em primeiro lugar, é o desconhecido ou pouco conhecido e, como tal, é a curiosidade. Por exemplo, regra geral, as crianças cegas e com deficiências eram mantidas isoladas, durante o regime comunista. Poucas pessoas sabiam como elas são. Eu próprio também não sabia e, graças ao processo de filmagem, tive a possibilidade de entrar na sua forma de vida. Devo dizer que, na maior parte dos meus filmes, é o processo de estar à procura de algo que define o resultado, e não um guião preconcebido ou uma ideia firme.

P: Os filmes demonstram bastante o seu empenho para com os projetos. Parece que existe a necessidade de integrar a comunidade para ser capaz de a filmar. Como é que desenvolve os seus projetos?

R: Para mim, fazer parte da comunidade (pelo menos durante as preparações e a filmagem) é o aspeto mais importante do processo. Eu passo muito tempo com as pessoas que filmo, mas filmo muito pouco em cada dia. Mesmo agora, com os media digitais, tento filmar o mínimo possível. É provavelmente um hábito dos tempos dos 16 mm - por exemplo, tive 30 dias para as filmagens de The Unseen e só filmei 5 horas de material. Então, o que é que fiz durante o resto do tempo? Eu estive simplesmente com as crianças e, quando chegava o momento certo, o meu radar dizia-me para agarrar a câmara e filmar um pouco.

P: O The Unseen é uma experiência cinematográfica incrível. Poderia falar mais especificamente deste projeto e da dificuldade em estar e em filmar na escola? Parece que tem uma capacidade de forjar uma relação longa de amizade com os seus sujeitos.

R: Houve uma única dificuldade com este filme, daquilo que me lembro. Era o primeiro dia de filmagens e eu não pude filmar um único fotograma porque as crianças estavam tão curiosas com a câmara e com o Nagra (o gravador de som) que foi impossível filmar... Em conjunto com o meu responsável pelo som, tivemos de explicar todos os detalhes, todos os botões. As crianças pareciam abelhas. Isto durou horas e ficámos absolutamente exaustos, no final. Mas isto deu-me uma ideia para a abertura do filme, que filmei numa fase muito mais avançada do processo.

Tradução de Teresa Vieira.


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