A censura do documentário Rocío foi o início de uma carreira frustrada. O cineasta andaluz Fernando Ruiz Vergara nunca mais realizou um filme. Rocío foi apreendido e censurado judicialmente logo após a transição de Espanha para a democracia, por ter denunciado um dos autores dos crimes fascistas da Guerra Civil. O filme foi proibido de ser exibido na íntegra em Espanha até hoje. Vergara morreu em 2011, deixando para trás inúmeros guiões e esboços de filmes que nunca conseguiu realizar. Esses filmes, que existiam na imaginação e no desejo, falam de forças criativas e de dissidência. Recuperar os filmes inacabados do realizador andaluz é um projeto de investigação, de reinterpretação artística e de afeto.
Concha Barquero e Alejandro Alvarado convidam o público a conhecer as diferentes versões de Rocío, enfatizando os resultados do confronto entre a censura e a persistente resistência do seu autor, para explorar a filmografia inacabada do cineasta. Várias provas e vestígios permitir-nos-ão fabular sobre a potencialidade dos seus filmes não realizados. O primeiro filme de Vergara, Otelo a presidente, tinha como objectivo divulgar o projeto político do célebre líder da Revolução dos Cravos Otelo Saraiva de Carvalho, que pretendia instaurar uma democracia participativa em Portugal. Ambos os projectos falhados, o político e o cinematográfico, remetem-nos para uma Europa do Sul dedicada a um modelo económico extractivista baseado no turismo como meio de subsistência.
A performance será seguida de uma conversa com Philip Widmann e da apresentação do livro ‘Film Undone - Elements of a Latent Cinema’. O livro, editado por Widmann, inclui contribuições de Barquero e Alvarado e muitos outros que apresentam projectos cinematográficos não realizados e inacabados, ideias cinematográficas realizadas em suportes não-fílmicos, bem como filmes que permaneceram inéditos na forma e no momento previstos. Estas tentativas e sondagens cuidadosas dedicadas a projectos singulares reflectem a importância dos materiais primários antes e para além do filme. A latência leva-nos a pensar de forma diferente sobre o que permaneceu invisível no cinema do que em categorias centradas no défice, como o fracasso, a perda ou a incompletude. Assinala uma potencialidade sustentada de as coisas mudarem de condição, de nos afectarem e de nos porem em movimento.
Concha Barquero e Alejandro Alvarado são cineastas e investigadores. Ao longo da sua carreira, exploraram as possibilidades de diferentes meios de comunicação, como a televisão cultural ou o documentário de criação, nos quais se especializaram. Os seus filmes questionam temas como a ausência, a memória, a história e a política. A utilização de material de arquivo, próprio e alheio, é um dos seus principais campos de experimentação. Os seus filmes incluem Pepe, el Andaluz e Descartes.
Philip Widmann é investigador, curador e cineasta. Trabalha atualmente como investigador pós-doutorado no projeto ‘Paranational Cinema - Legacies and Practices’ na Universidade de Zurique. Tem contribuído com programas de cinema para festivais, exposições e simpósios. Os seus trabalhos em filme e vídeo têm sido exibidos em espaços artísticos e festivais de cinema a nível internacional. Em 2023, iniciou o projecto ‘Film Undone - Elements of a Latent Cinema’. Um livro com o mesmo título, editado por Widmann, foi publicado pela Archive Books em 2024.