As minhas memórias dos filmes que vi, dos lugares que visitei, das descobertas que fiz e de encontros que resultaram em amizades que perduram voltaram com o primeiro visionamento deste magnífico documentário. Durante todo este tempo a programar cinema, poucas vezes me senti tão próximo do que vi e vivi, um filme emocional onde as fotografias ganham movimento com a voz da sua autora e colidem numa rara experiência cinemática e sensorial.
'I'm not everything I want to be', é um grande titulo existencialista, fez-me de novo ficar fascinado com o cinema independente, subitamente ao ver este filme, uma fotógrafa Libuše Jarcovjáková que desconhecia e uma jovem realizadora Klára Tasovská, fizeram-me viajar no tempo, comecei por pensar em Nan Goldin e em Chris Marker para a seguir viajar nas suas fotografias até às minhas primeiras incursões numa Europa anterior à queda do muro de Berlim, uma página longa e memorável da história da Europa na guerra fria que ainda espreitei e em que cresci longe de tudo na aldeia em que vivia e ao mesmo tempo num país que também era europeu, ou queria ser.
Da Primavera de Praga a Berlim e a Tóquio viajamos numa história íntima e reveladora de um tempo passado ao longo de cinco décadas num percurso tão único quanto universal e corajoso na luta duma mulher pela sua independência nos dias e na história duma Europa que mudava a cada dia e a cada noite rumo ao futuro. Do underground ao mundo da moda e do quotidiano duro cheio de interrogações pela passagem do tempo.
A magia continua na sala de cinema, lugar único de encontro com histórias como estas que nos enriquecem, que trazemos connosco quando saímos para a rua e nos deparamos com a outra realidade, a nossa.
E agora, onde estamos? (Dario Oliveira)
Eram tempos de uma enorme asfixia na Praga após a invasão Soviética para uma jovem que estava certa que não queria ser mãe, que sentia uma atracção pela cena queer e que queria ser… fotógrafa. Essa fotógrafa sentiu o impulso visceral de se libertar e fugir do país onde nascera. Falamos sobre Libuše Jarcovjáková e a máquina fotográfica é a sua companheira constante, com ela captura os dias e, sobretudo, as noites em milhares de fotografias analógicas: Fotografa a cena queer de Praga, foge para a Berlim Ocidental e anos mais tarde testemunha a queda da Cortina de Ferro, voa até Tóquio onde se aventura na fotografia de moda, regressa à Europa, regressa a casa, voltar a arriscar sair. E procura descobrir quem é, narrando dilemas que se revelam intemporais. Em I'm Not Everything I Want to Be com apenas as fotografias e as entradas dos diários que ela mesma lê, Libuše Jarcovjáková e Klára Tasovská constroem um retrato íntimo e corajoso da busca incessante da identidade, do conhecimento do próprio corpo, da descoberta da sexualidade, da inestimável emancipação, do singelo dia-a-dia, e das complexas teias das emoções.