O nevoeiro cobre a atmosfera e revela, lentamente, um mundo por detrás dessa opacidade. É um mundo diário, mas também belo. Vários gestos quotidianos revelam as tarefas mecânicas de diferentes actividades socioeconómicas. Tudo parece fazer parte de uma mesma unidade. Folha de Sala No filme de Nicole Vögele a realidade não nos é dada em absoluto ou perfeitamente materializada. Pelo contrário, a realidade emerge por entre o nevoeiro como um feixe de possíveis que aguarda, serenamente, pela revelação final. Nicole Vögele, a jovem realizadora de Nebel, ganhou, na primeira edição do Porto/Post/Doc, o Prémio Biberstein Gusmão, atribuído a cineastas com menos de 35 anos. Porém, a realização de filmes nem sempre esteve no horizonte de Nicole. Nascida em 1983 em Olten, na Suíça, trabalhou desde 2002 como repórter e jornalista em diversos programas de televisão. Foi por essa altura que decidiu aventurar-se pelo formato documentário. Em 2010, optou por obter formação específica naquela que passou a ser a sua área declarada de interesse – a realização de documentários –, ingressando na Fimakademie Baden-Württemberg. Desde 2010, já contam do seu currículo quatro documentários, além do mais recente Nebel: Jenseits retour (2010), Serbia_Boy_26 (2011), In die Innereien (2013) e Frau Loosli (2013). O que sobressai de imediato em Nebel é o modo como a dimensão estética é trabalhada por forma a tornar o filme simultaneamente forte na mensagem que se propõe passar e elegante do ponto de vista formal. Aliás, tal como fizeram notar os elementos do júri que escolheram premiá-lo no Porto/Post/Doc, este é um documentário que convida à contemplação, sendo possível acompanhar “todo um fio condutor que se baliza entre o visível e o invisível”. Logo na abertura do filme, somos ofuscados pela claridade do nevoeiro que, aos poucos, vai permitindo adivinhar uma silhueta. Vemos uma raposa que procura, no vento, um perfume familiar. De seguida, novamente manchas de névoa, silêncio. Imagens da natureza vão-se entretecendo com breves episódios de encontros com pessoas que, nas suas vidas, personificam, de algum modo, a solidão que a neblina procura traduzir. Do astrónomo que acalenta a esperança de existir vida noutros planetas, ao músico que idealiza o encontro com a mulher perfeita. Estas e outras personagens, imersas na sua imensa solidão, representam o inefável desejo de contato e de companhia. O nevoeiro, a neblina ou outros elementos atmosféricos, filmados sempre com um toque de poesia e numa espécie de devaneio onírico, vão-se intercalando com o mundano e o palpável, como profissões, atividades económicas, tarefas rotineiras (e rotinizadas) do quotidiano. Por entre o nevoeiro, o concreto e o material permitem-se entrever, sem nunca, todavia, se perder de vista a noção do todo: do real banal e do real que nos transcende. No final, uma visão muito clara: a raposa foge. Não há exatamente uma resposta às inquietações que entretanto fomos pressentindo. Resta-nos a sensação de deslumbramento visual e a intuição de que também nós, espetadores, fomos deixados a sós com o nosso pensamento. Tânia Leão (Porto/Post/Doc)