Sinopse Através de uma conversa com João Bénard da Costa e das suas ideias sobre o cinema português, estabelece-se uma interacção entre a construção do documentário e as imagens e sons de excertos de alguns filmes. Apesar das dificuldades, os filmes continuam a existir e a resistir. Valerá a pena? O que aconteceria se eles desaparecessem? Cada espectador deve encontrar a sua resposta. Folha de Sala A figura de João Bénard da Costa é central na cultura portuguesa das últimas décadas. Em especial, Bénard foi, para muitos, o Sr. Cinema. Isto é, alguém que contaminou os gostos de várias gerações nas suas diversas atividades, sobretudo enquanto diretor da Cinemateca Portuguesa e como autor de muitos textos de análise crítica, onde manifestava, a cada frase, o seu profundo amor aos filmes. É da matéria escrita e também audiovisual que se faz esta homenagem ao mais cinéfilo da sua geração, nesta obra realizada por Manuel Mozos. O cineasta foi um espectador privilegiado da figura, que acreditamos ter sido paternal, já que Mozos trabalha no ANIM – Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, uma estrutura dependente da Cinemateca. Terá, portanto, privado com Bénard da Costa em muitas situações do quotidiano. No entanto, o filme faz-se menos de confissões privadas e mais pelos textos escritos: a palavra – tão importante no ambiente cultural de onde surgiu Bénard – é, assim, dominante, ofuscando várias vezes as imagens a que se refere. Ela partilha, aliás, um tom que se imiscui também numa certa religiosidade – lembre-se, aliás, que Bénard participou ativamente na comunidade católica portuguesa. Há uma espécie de estética católica que é também parte importante do seu pensamento e da geração cinéfila de que fez parte (cite-se, neste contexto, o pensamento católico de André Bazin, o eminente teórico dos estudos fílmicos). Ainda assim, é verdade que o filme é povoado de fantasmas: as imagens e os sons das obras-primas do cinema. Por exemplo, através de uma passagem icónica de Johnny Guitar (1954), de Nicholas Ray, aquele que Bénard chamava o “filme da minha vida”, e que dizia só tinha visto “68 vezes, entre 1957 e 1988”, acrescentando: “Dá para saber de cor? Nunca se sabe o Johnny Guitar de cor. Cada vez é uma nova vez”. Para um filme povoado de fantasmas como este, o grande fantasma é o próprio Bénard, que várias vezes aparece no ecrã, tanto na sua persona como no alter-ego Duarte de Almeida (pseudónimo que usava como ator em outros filmes). Essa é a grande virtude, mas, por vezes, também a maior fraqueza de João Bénard da Costa – Outros Amarão as Coisas que eu Amei. Na obra de Mozos, o filme acentua a sua vontade de trabalhar sobre a memória, escavando os arquivos e dando a ver de novo, tal como tinha sido em Ruínas, o seu documentário sobre o Portugal de hoje e de ontem, falando, com isso, sobre a nossa contemporaneidade. Em João Bénard da Costa, Mozos fala do amor ao cinema, aquele que, suspeitamos, gostava de roubar ao seu mestre. Fala desse amor olhando de novo para textos, imagens e sons, numa montagem clássica, ritmada, mas que, por isso mesmo, não surpreende. Este é o João Bénard da Costa que a mitologia cinéfila construiu: o homem que vê filmes e que sobre eles pensa e escreve de forma tão singular. Daniel Ribas (Porto/Post/Doc)